fonte: MedScape

Desde 2015, o Brasil realiza uma vigilância sistemática da resistência antimicrobiana gonocócica, em conformidade com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). A mais recente pesquisa sobre o tema analisou isolados de Neisseria gonorrhoeae provenientes de pacientes diagnosticados entre 2018 e 2020. Os resultados, publicados em julho no periódico JAC Antimicrob Resist, trazem um alerta: houve um aumento nas taxas de resistência aos antibióticos azitromicina e cefixima.

O sistema de vigilância sistemática da resistência antimicrobiana gonocócica adotado no Brasil é fruto de uma parceria entre o Ministério da Saúde e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). As amostras coletadas no país são analisadas no Laboratório de Biologia Molecular, Microbiologia e Sorologia (LBMMS) da UFSC, seguindo a metodologia internacionalmente aceita. A autora do estudo, Dra. Maria Luiza Bazzo, Ph.D., farmacêutica e professora da UFSC, falou sobre o trabalho em entrevista ao Medscape.

Junto com os outros membros do Brazilian-GASP Network, um braço do Gonococcal Antimicrobial Surveillance Programme (GASP), da OMS, a Dra. Maria Luiza analisou 633 isolados de N. gonorrhoeae de secreção uretral de homens diagnosticados com a infecção entre 2018 e 2020. Os pacientes eram provenientes de 12 sítios, representativos das cinco regiões brasileiras.

Dados epidemiológicos foram obtidos a partir de questionários respondidos por 449 dos 633 pacientes incluídos no estudo. A maioria afirmou ser heterossexual (68,2%). A relação sexual mais praticada de forma desprotegida foi a vaginal insertiva (69,9%), seguida da oral ativa (56,6%) e anal insertiva (47,4%).

As culturas bacterianas foram testadas para oito antimicrobianos. Os resultados mostraram que, em relação à investigação de 2015 a 2016, [2] a resistência de 2018 a 2020 à ciprofloxacina permaneceu alta (55,6% no primeiro estudo e 67,3% no segundo). As taxas de resistência à azitromicina e à cefixima aumentaram em comparação ao período anterior. No caso da azitromicina, passou de 6,9% (posteriormente recalculada para 1,3% em função da mudança do ponto de corte do CLSI) para 10,6%, enquanto a da cefixima passou de 0,2% para 0,3%. Por outro lado, o estudo não identificou resistência à ceftriaxona, gentamicina e espectinomicina.

A Dra. Maria Luiza explicou que, no universo de 633 isolados testados, apenas dois apontaram resistência à cefixima, porém, embora a taxa ainda seja pequena, é considerada alarmante. “Trata-se de um antimicrobiano que não é vendido no Brasil, no entanto, esse resultado indica que podemos ter resistência à ceftriaxona futuramente, uma cefalosporina de espectro estendido”, disse e acrescentou: “a questão merece atenção, uma vez que a ceftriaxona é um dos medicamentos usados no tratamento da gonorreia no país”.

Até 2017, o tratamento mais utilizado no Brasil para casos suspeitos de gonorreia era a terapia dupla com 500 mg de ciprofloxacina e 1 g de azitromicina, porém, o esquema mudou com a detecção das altas taxas de resistência à ciprofloxacina. Atualmente, a maioria dos pacientes é tratada com terapia dupla, composta de 500 mg de ceftriaxona + 1 g azitromicina.

Quanto à resistência à azitromicina identificada na pesquisa, a Dra. Maria Luiza afirmou que indica uma tendência de dificuldade, porém ainda não é um indicativo de necessidade de substituição do tratamento. “Como no Brasil nem sempre fazemos diagnóstico etiológico, muitas vezes o paciente é tratado considerando a abordagem sindrômica. Quando há secreção, suspeita-se de coinfecção por gonorreia e clamídia. Enquanto a ceftriaxona trata bem a gonorreia, a azitromicina trata bem a clamídia”, afirmou, lembrando, portanto, que o ideal é não modificar a terapia dupla padrão no momento. A substituição pode começar a ser pensada caso estudos futuros detectem aumento de resistência à ceftriaxona.

Dada a possibilidade de evolução da resistência antimicrobiana gonocócica, a OMS recomenda que os países façam vigilância constante dessa bactéria. Outra medida importante, segundo a pesquisadora, é, nos casos de recidiva de sintomas, fazer o teste molecular para diagnóstico etiológico a fim de orientar quanto ao melhor tratamento.