São Paulo, 5 de junho de 2023
Veias são frágeis e têm um diâmetro pequeno nas crianças. Punções venosas periféricas rotineiras com cateteres curtos tendem a uma durabilidade limitada: crianças pequenas têm um entendimento limitado do equipamento, sua necessidade e cuidados necessários para a manutenção. Punções em crianças despertas são difíceis e traumáticas para a criança, a família e os profissionais de saúde. Acessos venosos pediátricos precisam ser muito bem cuidados e monitorados. A necessidade de acesso venoso prolongado deve ser prevista e planejada desde a admissão da criança numa unidade hospitalar.
Os cateteres epicutâneos (PICC), um tipo de cateter venoso central com menor risco e maior durabilidade, são inseridos através da punção de uma veia periférica. Por causa disso, a previsão quanto à necessidade do uso e o planejamento da inserção precisam ser precoces: os vasos periféricos precisam ser “poupados” com este fim. São bons exemplos crianças portadoras de osteomielites e neonatos apresentando malformações de trato digestivo.
A alternativa, que é o implante de um cateter venoso central, pode ser difícil, oferece alguns riscos e sempre exige anestesia, seja para acessos cirúrgicos (dissecções de veias), punções de grandes vasos cervicotorácicos ou em membros inferiores. As complicações podem ser sérias, inclusive fatais, embora isto não seja comum.
Cateteres venosos centrais podem ser necessários para monitoramento, infusão rápida de fluidos ou administração de medicamentos específicos (vasopressores, quimioterápicos, nutrição parenteral), mas a maior demanda é em crianças com necessidade prolongada de acesso venoso que tiveram a rede venosa periférica esgotada depois de múltiplos acessos, em especial pacientes que necessitam de antibioticoterapia endovenosa prolongada ou aqueles que já sofreram múltiplas internações. O implante de cateteres venosos centrais em crianças aumentou muito em frequência, em especial em neonatos, o que é consequência de uma boa notícia: a taxa de sobrevivência de bebês prematuros e de baixo peso ao nascer melhorou muito, mas eles exigem cuidados prolongados em UTI, usam nutrição parenteral por um prazo longo e têm um risco alto de sepse perinatal.
A inserção de cateteres venosos centrais em crianças, especialmente em neonatos, exige cateteres com dimensões adequadas e boa qualidade, para garantir melhor durabilidade e segurança. Improvisos com material inadequado, mesmo que factíveis, são uma péssima opção, por acarretar riscos maiores, utilizar vasos de maior calibre e frequentemente levar à inutilização irreversível do vaso utilizado para acessos futuros.
O uso de ultrassom em tempo real para localização de vasos melhorou a segurança dos procedimentos de punção venosa E TORNOU-SE O ESTADO DA ARTE, INTERNACIONALMENTE RECONHECIDO. Em outras palavras, unidades pediátricas onde há demanda de acesso vascular central PRECISAM SEMPRE ter aparelhos de ultrassom disponíveis. Isto é do interesse do paciente e da equipe de saúde por diminuir o risco dos procedimentos e torna-los mais rápidos, mas também dos gestores, por diminuir significativamente os custos e aumentar a durabilidade dos cateteres.
O aumento de demanda e utilização de acessos venosos centrais em pacientes mais graves e menores aumentou a incidência absoluta de complicações. A mais frequente delas é sepse, relacionada a infecção dos cateteres. A responsabilidade sobre a indicação e uso correto dos cateteres venosos centrais é compartilhada entre aos membros da equipe médica (pediatras e cirurgiões) e de enfermagem, bem como a responsabilidade diante de eventuais complicações. Várias táticas limitam o risco infeccioso dos cateteres venosos centrais em pediatria, inclusive “locks” com substâncias bactericidas (infusão com a substância em volume suficiente apenas para preencher o dispositivo, mantendo o cateter fechado contendo a substância por um tempo planejado), mas as principais medidas, sem sombra de dúvida, são simples e relacionadas aos cuidados com a manipulação dos cateteres (higiene das mãos, curativos corretos, respeito aos protocolos hospitalares). A disponibilidade de “times de cateteres” (grupos de médicos e enfermeiros responsáveis pela inserção, retirada e vigilância de cateteres) é uma medida recente de alta efetividade, que deveria ser adotada em todas as unidades pediátricas e de neonatologia.
A demanda de acesso vascular central emergencial em pediatria é outro problema a ser dimensionado. Não se trata de procedimento simples, fácil ou rápido. Na prática, todos os profissionais envolvidos devem atentar para os protocolos vigentes, que preconizam que em crianças com necessidade emergencial de acesso venoso e esgotamento da rede periférica a primeira opção de acesso é uma punção intraóssea. Também faz sentido, pelo simples uso do bom senso, não retirar cateteres funcionantes em crianças de alto risco antes que esteja disponível outro acesso vascular, ainda que sejam cateteres com retirada futura prevista por suspeita de infecção ou outro problema não relacionado à impossibilidade absoluta de uso do cateter.
O IMPLANTE DE UM CATETER VENOSO CENTRAL NÃO É UMA PRÁTICA ISOLADA DO CIRURGIÃO PEDIÁTRICO e sim um compromisso de todo o grupo de profissionais que trata a criança.
Qualquer troca de cateter por complicação evitável ou como resultado de uma conduta inadequada traz riscos desnecessários ao paciente e ao profissional e aumenta o custo do tratamento. Uma consequência séria é a falência total de acesso venoso, quando tromboses e estenoses de vasos centrais inviabilizam o implante de novos dispositivos por cirurgiões pediátricos experimentados. Esta circunstância, mais comum do que o desejável, pode ser uma causa de morte, em pacientes emergenciais, dependentes de nutrição parenteral ou de hemodiálise.
Acessos venosos pediátricos não são “simples rotina” e podem ser questão de vida ou morte. Os vasos sanguíneos das crianças são preciosos. Vamos usá-los bem.
Associação Brasileira de Cirurgia Pediátrica