Dúvidas sobre anestesia pediátrica são muito comuns na consulta pré-operatória, gerando preocupação entre os familiares.

Com objetivo de informar a população não só sobre doenças cirúrgicas em crianças, mas também sobre temas relevantes ligados à Cirurgia Pediátrica, a CIPERJ incluiu o tema nesta série de matérias especiais.

Conversamos com a Dra. Paola Santos Carbonieri Ribeiro, anestesista do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP/UFF) e do Hospital Gloria D´Or, que respondeu às principais dúvidas sobre os tipos de anestesia.

Ela reforça que experiência prévia do profissional com pacientes pediátricos é fundamental.

ANESTESIA PEDIÁTRICA: COMO É REALIZADA E RISCOS ASSOCIADOS

  • O que é anestesia pediátrica?

A anestesiologia é uma especialidade médica que, a partir da avaliação de um paciente no período pré-operatório, permite o alívio e prevenção da dor durante e após a execução de procedimentos cirúrgicos, além da monitorização (vigilância) e manutenção da fisiologia normal durante a cirurgia.

Quando falamos em anestesia pediátrica, o público-alvo são as crianças e adolescentes. Prover cuidados anestésicos à população pediátrica implica em diversos desafios, porque a criança tem diferenças fisiológicas em relação a população adulta, além da variedade de procedimentos cirúrgicos característicos dessa faixa etária.

Pacientes pediátricos antes da idade escolar não possuem a capacidade cognitiva de compreender o motivo pelo qual se encontram em ambiente hospitalar e são separados de seus familiares, como ocorre durante o ato cirúrgico-anestésico. O profissional de anestesia atua neste cenário para minimizar a ansiedade pré-operatória e, consequentemente, futuros traumas, usando estratégias não medicamentosas (avaliação pré-anestésica detalhada, interação lúdica com a criança) e farmacológicas (medicações pré-anestésicas).

  • Qual anestesia será usada na cirurgia do meu filho?

A técnica anestésica adequada ao procedimento cirúrgico proposto e a cada criança será definida a partir da avaliação pré-anestésica.

A anestesia geral é uma das técnicas mais frequentemente adotadas na população pediátrica. Pode ser feita de forma inalatória (uso de anestésico inalatório, através de uma máscara facial), venosa (medicação injetada por acesso venoso) ou ambas (quando utilizamos as duas técnicas, normalmente aguardamos perda da consciência com o uso do anestésico inalatório pela máscara facial para fazer uma punção venosa e injeção de outras medicações).

Após a perda da consciência (quando a criança “dorme”), o anestesiologista controla a ventilação (“respiração”) através de uma máscara facial, de uma máscara laríngea (dispositivo que permite a ventilação mecânica de forma menos invasiva que o tubo endotraqueal) ou de um tubo endotraqueal acoplado ao aparelho de anestesia.  A escolha depende da história clínica do paciente e do procedimento cirúrgico que será realizado.

Além da anestesia geral podemos utilizar a anestesia regional (bloqueios anestésicos), com objetivo de minimizar a dor do sítio cirúrgico, tanto do período intra quanto do pós-operatório. Estes bloqueios podem ser em neuroeixo, como as peridurais torácica, lombar e caudal, ou bloqueios de nervos periféricos, muitas vezes guiados por ultrassom para maior segurança e eficácia. A anestesia combinada (anestesia geral associada à anestesia regional) visa controlar melhor a dor, reduzir a dose e necessidade de anestésicos, analgésicos e bloqueadores neuromusculares, induzir um despertar mais suave, confortável e rápido, alta mais precoce da sala de recuperação pós anestésica, alimentação mais precoce e redução de náuseas e vômitos. Geralmente os bloqueios anestésicos em pacientes pediátricos são feitos após os pacientes perderem a consciência, da mesma forma que a punção do acesso venoso periférico.

  • Como é feita a preparação para a anestesia pediátrica?

Primeiramente, o paciente e seu responsável deverão passar por uma avaliação pré-anestésica, para que o anestesiologista possa conhecer o diagnóstico e o procedimento cirúrgico que será realizado. O anestesiologista também precisa entender a história patológica da criança, e vai pesquisar a existência ou não de alergias e de outras doenças, como asma e infecção das vias aéreas recente, internações e cirurgias/ anestesias prévias. A história do desenvolvimento da criança (parto, nascimento, marcos do desenvolvimento) também é importante, do mesmo jeito que alguns aspectos relevantes do exame físico.

Durante a visita pré-anestésica também são avaliados os exames pré-operatórios. A seleção do tipo de exame necessário não é a mesma para todas as crianças, e depende do paciente e da cirurgia a ser realizada.

A técnica anestésica escolhida deverá ser explicada ao responsável e ao paciente (com a linguagem compatível a sua faixa etária, se for possível), assim como os cuidados pré-operatórios como, por exemplo, o jejum.

Em alguns casos, a avaliação pode ser feita à distância (telemedicina), mas o anestesiologista sempre conversa e revê todo o caso imediatamente antes da cirurgia, para identificar possíveis fatores que aumentem o risco de complicações, além de permitir o planejamento de estratégias para minimização destas intercorrências e orientar os pais sobre todo o processo.

  • Quais são as possíveis intercorrências da anestesia pediátrica?

Estudos mostram que complicações relacionadas a anestesia como causa primária são muito raros (acontecem em cerca de 0,02 a 0,04% das anestesias). Dentre as intercorrências possíveis durante o ato anestésico podemos citar as relacionadas a eventos adversos medicamentosos (alergias, hipotensão arterial e depressão respiratória, por exemplo), complicações respiratórias e cardiovasculares.

Complicações são mais frequentes em pacientes com algum diagnóstico de doença grave e em cirurgias de emergência.

O anestesiologista lida frequentemente com a via aérea dos pacientes (as áreas da anatomia por onde passa o ar para entrar e sair dos pulmões). Intercorrências respiratórias podem ocorrer até em crianças saudáveis e procedimentos adequados e bem escolhidos. Laringoespasmo (quando a laringe se contrai) ou broncoespasmo (estreitamento dos brônquios, parecido com o que acontece numa crise de asma) são dois destes problemas. Existem algumas situações que podem aumentar a incidência destas complicações como fatores intrínsecos ao procedimento anestésico em si, determinados fármacos, infecção vias aéreas recente (inclusive infecções leves, “resfriados”), história prévia de asma.

Eventos adversos relacionados a medicações são os mais comuns no contexto anestésico e podem ser minimizados com uma visita pré-anestésica detalhada (detectando alergia a medicamentos/alimentos ou possíveis intercorrências prévias) e planejando estratégias que visem o aumento da segurança durante o ato anestésico.

Intercorrências menos comuns não relacionadas ao manejo da via aérea podem ter relação com hemotransfusão, relacionadas aos equipamentos de anestesia, lesões musculocutâneas. Também devem ser considerados os riscos associados aos bloqueios, que são muito baixos. Hematomas e punção inadvertida de alguma estrutura, como vasos e nervos, são raros.

Hoje em dia, com a evolução da tecnologia, estes riscos são cada vez menores.

  • Qual deve ser o principal diferencial do anestesista pediátrico?

O paciente pediátrico não é um adulto pequeno. Existem diversas peculiaridades, tanto quando levamos em consideração questões fisiológicas e farmacológicas, como quanto à variedade de procedimentos cirúrgicos aos quais esses pacientes serão submetidos. O comportamento das crianças nas várias idades também é diferente do comportamento do adulto.

A experiência do anestesiologista pediátrico faz toda a diferença no resultado final do processo. O relacionamento com os pais deve ser mantido de forma muito estreita desde o pré até o pós-operatório para um melhor manejo da dor e alta hospitalar mais precoce possível.

  • Crianças precisam fazer os mesmos exames pré-operatórios que os adultos fazem?

Os exames pré-operatórios no contexto da anestesia pediátrica se relacionam à idade do paciente, ao procedimento que será realizado e às comorbidades de cada criança e não são os mesmos para todos. Da mesma forma, os exames pré-operatórios solicitados para crianças não são os mesmos pedidos para adultos.

A visita pré-anestésica e a interação com a equipe cirúrgica previne a solicitação de exames desnecessários.

  • Médica anestesiologista do Hospital Universitário Antônio Pedro (HUAP/UFF);
  • Médica anestesiologista do Hospital Gloria D´Or (RJ);
  • Médica anestesiologista do Hospital Municipal Jesus (HMJ), no Rio de Janeiro, de 2013 a 2017.